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terça-feira, 26 de março de 2013

Cura de miopia. Antes tarde do que nunca


A questão da Segurança Pública é tão complexa que a própria percepção das pessoas parece ser afetada. Tenho lido muitas opiniões sobre a questão, de especialistas a jornalistas, passando pela sociedade civil que via de regra busca as redes sociais para se indignar. O fato é de que atualmente a moda é criticar a atual política de segurança.

Todos parecem ter repentinamente acordado para o que estava acontecendo há seis anos. Poderia até dizer que esse tempo é bem maior, mas acho apropriado delimitar o início do governo Cid Gomes, pois coincide com o começo do Ronda Quarteirão.

É impossível discordar de que vivemos uma crise. Agora o que me surpreende é a forma desse despertar. Via de regra se insiste na tese do “Ronda Corrompido”, para explicar que o programa era bom e se perdeu com o tempo. Desde o início do programa, apontei, não sem apoio de colegas especialistas do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, de que o Ronda do Quarteirão não poderia ser caracterizado como um programa de polícia comunitária (como exemplo, veja o que escrevi em 2008 e 2009 sobre os limites do Ronda )  Aliás, o Secretário de outrora, que gozava de credibilidade de parte da mídia e parte da academia, havia inclusive usado o termo “polícia de proximidade” numa clara tentativa de criar um slogan para uma proposta ad hoc, sui generis e que não tinha similar em parte nenhuma do mundo.

Foi preciso seis anos para perceber que policial militar com Hilux com ar, santinho divulgando telefone e treinado em três meses não tinha como ser  confundido com polícia comunitária ?  E mais ainda, mesmo que fosse possível isso ser considerado como tal, desde quando isso poderia ser o alicerce de uma política de segurança?

Minha impressão é de que algumas escolhas feitas pelo Governo Cid se mostraram mais importantes para mostrar as deficiências dessa política do que outras. E foram as escolhas das pessoas as mais marcantes. Ao trocar de Secretário e depois ao trocar de Diretor da Academia de Polícia, o governo parece ter ajudado a iluminar os que antes não viam (ou não queriam ver).

Lembro-me que quando o atual secretário assumiu fui perguntado por uma jornalista sobre o que achava que aconteceria com a Segurança. Queria minha opinião sobre o debate que acabara de ser criado: “Pé-de-boi” contra “gravatinha”. Lembro-me também de minha resposta de que achava aquilo irrelevante no momento, pois já não concordava com a política em vigor.

Creio que vale a pena nos perguntarmos se não há algo de errado nisso tudo. Não estaríamos dando excesso de relevância às pessoas e menos às políticas? De qualquer forma, felizmente o governo Cid fez essas trocas que evidenciaram um equívoco. Antes tarde do que nunca. Agora parece que todos nós percebemos que estamos no caminho errado. Será que bastará mais uma mudança de nome para nos iludirmos novamente? 

quarta-feira, 20 de março de 2013

Onde estão os criminologistas?


Como a (in)segurança pública nunca sai de pauta no Brasil,  vejo  com frequência a mídia em busca de especialistas, para opinar sobre temas relacionados. Instado por uma repórter a definir qual seria o perfil do especialista que poderia apropriadamente falar sobre uma pergunta relacionada à dinâmica do crime na cidade de Fortaleza, vi-me nesta reflexão que aqui compartilho com o leitor.

Embora ainda com certa timidez, a Academia participa hoje do debate sobre Segurança Pública no Brasil. A faceta multidisciplinar do problema requer uma visão ampla que envolve fatores ligados à violência (sociologia/psicologia), à legislação(direito), à concentração de renda (economia), à ética(filosofia), à estrutura urbana (arquitetura e urbanismo) e ao tratamento da informação (informática), para exemplificar alguns. Temos vários grupos de pesquisa que estudam a Segurança Pública por esses e outros vieses Brasil afora, que somados aos Policiais Militares com formação específica nas suas academias, podem muito bem serem considerados especialistas.

A despeito da riqueza que é a produção de conhecimento advindo de todas essas áreas, creio que carecemos de uma formação específica presente na maioria dos países desenvolvidos: a de criminologista. Esses países possuem tanto graduação como mestrado e até doutorado em criminologia.  

Ouso ir além nesta reflexão: não é somente na produção de conhecimento que criminologistas nos fazem falta.  O mercado de trabalho também precisa deles. Creio haver muito espaço nas Polícias Civis para empregá-los. Afinal, se estamos de acordo que precisamos de uma polícia que faz mais investigação e usa  mais inteligência, não seria esse o perfil desejado para um delegado, por exemplo ? A formação exclusivamente legalista é a ideal para a polícia investigativa que precisamos?

Essas perguntas nos levam a refletir sobre a própria forma de atuação das Polícias Civis, submersas em atividades cartoriais como emissão de boletins de ocorrência e feitura de inquéritos intermináveis, os quais são,  geralmente, refeitos na Justiça. Este sim me parece um debate importante. Com a palavra: os especialistas !

* Artigo publicado no O Povo ontem na coluna Opinião

quinta-feira, 14 de março de 2013

Efeitos colaterais de remédios descobertos via Big Data


Alguns colegas pesquisadores em computação têm explorado os dados do Tweeter para capturar ou "sentir o pulso" do que acontece no mundo em um certo momento. Monitorar redes sociais de uma forma geral é um novo campo de atuação que atrai pesquisadores em áreas diversas motivados pela exploração de dados on line e volumosos (chamado de “Big Data”). Todos querem extrair dessa enorme montanha de dados algum conhecimento inovador.

Dentro dessa mesma linha, li recentemente sobre um trabalho desenvolvido por pesquisadores de Stanford e da Microsoft digno de menção e por isso mesmo reportado pelo New York Times  Ao invés de explorar dados vindos de rede sociais, os pesquisadores exploraram consultas feitas pelas pessoas no buscador Bing da Microsoft (concorrente do Google). 

Foram mineradas cerca de 82 milhões de consultas efetuadas sobre nomes de drogas e sintomas. Conseguiram descobrir efeitos colaterais em substâncias presentes em remédios somente a partir da análise dessas consultas. O estudo indicou que havia uma correlação entre buscas feitas com o nome das substâncias paroxetine e pravastatin e que estavam fortemente associadas a hiperglicemia. A correlação foi depois confirmada por médicos surpresos por essa nova forma de pesquisar sobre efeitos colaterais de drogas.

Tradicionalmente a FDA (Food and Drug Admnistration), agência americana responsável por analisar efeitos de medicamentos, desenvolve seus estudos com base em relatórios de médicos. Eles preenchem formulários  com base no que escutam e verificam em pacientes. Tal metodologia sempre sofreu críticas pela vulnerabilidade, visto que depende demais dos médicos. Explorar os dados de consulta ao buscador é muito mais rápido confiável e principalmente escalável. Há uma variedade imensa de interações de drogas que são desconhecidas e que ferramentas como a usada no estudo podem descobrir. Jovens pesquisadores: corram atrás de Big Data!

terça-feira, 5 de março de 2013

Fortaleza NÃO é a 13a cidade mais violenta do mundo




“Estatísticas não mentem jamais. Já os estatísticos ...”

Antes que estatísticos sintam-se ofendidos, deixem-me dizer que o subtítulo deste artigo não visa, atingi-los, nem critica-los. Trata-se de uma alusão anedótica à, complexa e cheia de armadilhas, tarefa de analisar e interpretar estatísticas. 

Semana passada o jornal O Povo fez uma matéria baseada em um estudo feito por uma ONG mexicana que classificou Fortaleza como a 13a cidade mais violenta do mundo. Mesmo reconhecendo a trágica situação que vivemos no campo da Segurança Pública, a classificação apresentada, de pronto, me soou equivocada. Números que uso frequentemente em meus estudos nunca haviam mostrado tal ranking. Pus-me então a investigar fontes alternativas e os números e metodologia usada por tal ONG.

No mapa da violência 2012 lançado pelo Instituto Sangari, Fortaleza não figura nem em entre as cinquenta cidades brasileiras mais violentas. Entre as capitais nordestinas,  Maceió, Recife e João Pessoa sim, fazem parte da lista.  Por que então essa divergência?

O ranking gerado pela ONG mexicana foi obtido a partir de uma metodologia sui generis. Escolheram somente algumas cidades com mais de trezentos mil habitantes e a partir delas fizeram uma classificação. Serra no Espirito Santo, por exemplo, uma das mais violentas do Brasil, não foi nem escolhida no estudo. O critério de escolha das cidades e o corte em trezentos mil habitantes não é claro. O fato é que proclamar que Fortaleza é a 13a mais violenta do mundo com base nesse estudo é simplesmente incorreto.

Ainda mais surpreendente é que após a matéria, os jornalistas do O Povo continuaram a repercuti-la e o Governo do Estado até hoje não se pronunciou. Quem cala consente, não? Fatos como esse só me deixam cada vez mais convicto de que a abertura de dados, tal como propus com WikiCrimes (http://www.wikicrimes.org) é a melhor política para dar transparência e publicidade ao que ocorre. Não seria preciso ir buscar tão longe dados sobre o que acontece aqui por essas bandas. Se é para interpretar erroneamente os dados, que sejam pelos menos dados únicos compartilhados.